sábado, 11 de outubro de 2025

Diário de alma



Itapuã, meu lugar de paz

Morar aqui… é como respirar fundo depois de muito tempo.
Minha casa é pequena, mas cheia de mim. Cada canto guarda um pedaço da minha história — lembranças de viagens, objetos antigos, memórias que resistiram comigo. Não comprei quase nada novo. Estou apenas preenchendo o espaço com o que já existia dentro de mim: calma, gratidão e pertencimento.

Ainda estou me organizando, ajustando as contas, sonhando com a área gourmet lá em cima — por enquanto, só um plano que o bolso não alcança. Mas não há pressa. Quero um lugar simples, bonito, onde eu possa sentir o sol no verão, tomar um banho de chuveiro ao ar livre, acender luzinhas coloridas à noite, sentar sobre almofadas e tomar um vinho devagar. Imagino o riso do meu filho ecoando, o vento brincando nas cortinas. Tudo ainda está em construção, mas a paz já se instalou.

Pela manhã, ouço os passarinhos. À tarde, o pôr do sol pinta o céu de cores que me comovem. Há uma brisa constante que parece me abraçar. E dentro de mim há um silêncio bom, um sossego que esperei a vida inteira pra sentir.

Comprei este imóvel com os meus  próprios recursos, sozinha. Com o que conquistei depois de tantas tempestades. Depois do divórcio, dos recomeços, dos perrengues, das noites longas. Aos 57 anos, sinto que fechei um ciclo. Cheguei onde sempre quis — não num lugar físico, mas num estado de alma.

Tenho o meu carro, a minha casa, uma reserva, um emprego estável, posso pagar a escola do meu filho. Tudo isso me dá serenidade. Aquela menina que veio de Jequié há trinta e cinco anos, cheia de sonhos e medos, batalhou muito até aqui. Demorou, tropeçou, recomeçou, mas chegou.

Hoje, posso dizer que sou vitoriosa. Não sou rica, nem quero ser. O que tenho é suficiente — e é verdadeiro. O mar, o vento, as árvores, o cheiro do sal, o barulho do tempo passando devagar... isso é riqueza.

Itapuã nunca esteve nos meus planos. Foi o acaso, um anúncio na internet, um impulso. E de repente, eu estava assinando o contrato. Como se a vida tivesse me empurrado, gentilmente, para o lugar que sempre foi meu.

Por vezes, pensei que minha casa fosse longe demais para receber visitas. Que os amigos poderiam achar distante, fora de mão. Já me importei com isso, com a ausência, com o medo de parecer isolada. Mas Itapuã me ensinou outra coisa:
nem tudo o que é quieto é solidão.

Hoje, entendo que, assim como eu amo o meu canto, meus amigos também amam os deles. Cada um tem seu refúgio, seu silêncio, sua rotina. E tá tudo bem. Quando o coração deles quiser, quando a vontade bater, eles virão. Sem pressa, sem cobrança — e serão sempre bem-vindos.

Eu, por mim, ficarei aqui pra sempre.
Neste pedacinho de mundo onde a vida desacelera,
onde o tempo tem cheiro de maresia,
e onde, finalmente,
eu aprendi o que é estar em casa.


Por A. Ventura

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