domingo, 19 de abril de 2020

Carta para Alice


Salvador, 19 de abril de 2020.


Alice,

Perdoe-me a ousadia em te escrever sendo que não nos conhecemos pessoalmente. Porém, sempre que leio alguma coisa que você escreve sinto que estivesse escrevendo para mim e acredito que por essa razão acabei criando um laço imaginário de intimidade e afetividade com você.
Não quero roubar seu tempo e nem pretendo que me responda esta carta. Imagino o quanto deve ser uma pessoa ocupada, mas precisava conversar com alguém capaz de me compreender e foi então que decidi escrever-lhe.
Alice trago como minha companheira uma angustia de longos anos. Uma angustia sem muitas explicações lógicas ou reais eu diria, mas são verdadeiras, intensas e que me causam sofrimento. Um sofrimento contido e reservado, não permito a ninguém que o invada, tende resolver e nem sequer o compartilho.
Eu adoraria escrever-lhe à mão, postar nos correios e aguardar ansiosamente por um retorno postal. Entretanto, os tempos são outros e a modernidade não nos permite tanta nostalgia. Sendo assim o que me resta é render-me as duras teclas de um teclado barulhento, com um ruído tão operacional que me rouba o silêncio, ingrediente essencial aos sonhadores e aqueles que gostam de ouvir seus pensamentos fluírem enquanto escrevem. O único som que gostaria de escutar enquanto transcrevo meus pensamentos e sentimentos poderia ser o do silêncio. Em último caso sons do vento, da brisa ou do mar, jamais esse ruído incomodo de um teclado frio de computador.  Resolvi exercitar meus ouvidos a sentir com menos intensidade os ruídos das teclas bailando, e assim tenho transformado esse incomodo em um som chamado: produção. E isso tem me facilitado atravessar a tormenta emocional que venho passando. A tormenta que me trouxe a inércia e a total paralisação na arte de me expressar através da escrita, de sentir através da leitura e de amar através do amor.
Voltando a angustia. Bem Alice, não saberia como explicar, mas tentarei com as últimas palavras que me restam de lógica e sensibilidade te levar comigo através dos pensamentos aqui expostos para que você analise, e me de um parecer, sobre o que causou essa angustia, quando e onde e que me sugira onde posso deixá-la, a fim de que eu possa caminhar nas letras, nas palavras, no encantamento e na arte de sonhar e fazer sonhar aqueles que viajarem comigo através dos símbolos e signos de uma boa leitura.
Há alguns anos não sinto que ler é algo que me mova ou que me entusiasme. Simplesmente não encontrei em livros palavras que causem a minha vontade de seguir adiante, lendo, interpretando, sentindo e me divertindo. A sensibilidade de ler um bom livro e ter a capacidade de viajar em suas histórias foi interrompida. Não sinto mais prazer. O prazer da leitura tão dito em versos e prosas se apagou de vez dentro de mim. Os livros empoeirados apenas servem de enfeite na minha estante. Lado a lado, estão todos calados. Silenciado por mim.
E qual a razão? A falta de credo? A falta de imaginação? A falta de paciência? A falta de amor? Poderia ser qualquer uma dessas razões, porém sinto que é alguma coisa mais profunda. Eu simplesmente estou desacreditada dessa arte. Os livros de ficção, os romances, os épicos , todos eles não me comovem mais, por que a minha consciência está além de aproveitar os devaneios de uma leitura com sua completa irrealidade e rodeada de muitos propósitos surreais. Começo a leitura e logo me angustio, me perguntando aonde aquilo tudo vai me levar. E não encontrando respostas, simplesmente a abandono. Dos livros de auto-ajuda, não vou nem comentar. Até as disposições dos livros nas livrarias tem me causado mal estar. Eles estão dispostos por quem pagar mais, e não por serem Best-Sellers, ou uma boa indicação de leitura. Então penso e as biografias? Você pode me perguntar. Tudo bem era alguma mais próxima da realidade que mereceria minha disponibilidade e meu tempo de dedicação, como por exemplo, e não dependeria de indicação. Conhecer a vida de alguma personalidade ou alguém que eu admirasse muito mais profundamente. Mas, quem? De quem sou fã? Quem eu admiro? Nada, outro vazio angustiante. Nesse momento, lembrei de minha mãe, ela diria Jesus Cristo. Sim, eu o admiro, só não consigo me pautar em milhares de versões de fatos e histórias para falar Dele. Por isso, prefiro conhecê-lo com minha fé. E isso me basta.
Enfim Alice, preciso de sua ajuda. Já li muitos livros interessantes, porém não consigo sequer me lembrar os títulos, fazer alguma citação inteligente sobre um fato marcante desses livros. Não consigo compreender porque estou assim, me tornando assim. A leitura já foi meu refúgio, já foi meu passaporte para longas viagens. A leitura já me fez companhia em muitas e muitas ocasiões. Por isso não entendo em que momento da minha existência eu me perdi de mim mesma, da minha essência. Percebo que fui esfriando meu senso de sentir. Meu olhar sensível foi se perdendo e ficando em seu lugar um olhar duro para muitas coisas. Um olhar crítico algumas vezes, e muitas vezes a necessidade de guardar e manter o que sinto e penso a fim de não magoar ou causar danos irreversíveis em meu convívio social. Por que me tornei ácida, tóxica, desacreditada da beleza das palavras, dos devaneios dos poetas, das viagens insólitas?
Esses questionamentos me perseguem e me castram, todas as vezes que tento virar essa chave e me conectar à minha essência.
Alice, só você pode me ajudar. Responda-me. Apoie-me. Como fazer para que você se conecte novamente ao meu imaginário. Ao mundo ilusório. Ao universo dos sonhos. À vida de viajante das letras. (?).
Teria sido o amor? O amor que senti e sinto e que não está em plenitude. Teria sido ele o causador desse total desatino de recepção ao inconsciente e profundo de minha alma?
O amor que tanto me moveu está me estagnando. O amor que me rejuvenesceu está me fazendo parar envelhecida no tempo.
Alice, Alice!!! Clamo por sua ajuda!!! Procure no seu maravilhoso mundo essa mulher que fui um dia e me resgate de volta. Ajude-me a emergir desse buraco que me enfiei. Não. Eu não caí por acidente, eu me joguei. Eu cansei, desisti e me joguei pensando que poderia mergulhar, mas eu estava enganada ele, o buraco, não tem fim e eu não estou chegando a lugar nenhum.
As razões são essas em te escrever Alice. Não sei o que poderá fazer por mim, mas sei que só você poderá me ajudar.

Márcia Santos